Release

Zé do Bêlo

A Moda Chegando eu Vou Ver Como É, novo álbum do cantor e compositor gaúcho Zé do Bêlo, sem qualquer exagero, trata-se de um dos maiores esforços feitos, nos últimos tempos, no sentido de reabilitar esquecidas joias do rico cancioneiro brasileiro. E, também, de reavivar alguns dos tantos lendários compositores pátrios “de antigamente”. Como bem disse o mestre Mario Lago, esquecidos na “rolança do tempo”. Dentre os quais, gênios – esses realmente populares! – de fina estirpe: Manezinho Araújo, Almirante, Getúlio Marinho, João da Baiana, Jararaca, entre tantos outros bambas.

As doze canções reunidas neste disco, foram com a excelência do prestigiado músico, compositor e arranjador Marco Pereira (cujos préstimos encontram-se presentes em álbuns de Edu Lobo, Cássia Eller, Gilberto Gil, Gal Costa, Wagner Tiso, Tom Jobim, Milton Nascimento e Roberto Carlos). Pereira também é autor de Ritmos Brasileiros. “Quem leu esse livro vai entender – e concordar – as razões pelas quais ele é o arranjador certo para o meu projeto”, diz Zé do Bêlo.

King Jim, prestigiado músico e saxofonista, mais conhecido por ser o vocalista da clássica banda de rock gaúcho Garotos da Rua (dos hits “Tô de Saco Cheio” e “Sabe o que Acontece Comigo”), faz especial participação no disco. Ele atua produzindo e fazendo os vocais auxiliares presentes em todas as músicas do álbum, exceto “Casinha da Marambaia”.

Radicado atualmente em João Pessoa, na Paraíba, Zé (há 15 anos ele labuta como cantor, compositor e violonista e tem dois discos lançados) teve, coisa rara nesses dias, a sensibilidade de perceber quanto a música brasileira de outrora não resume-se, apenas, aos gêneros, autores, estilo e músicas vindas após, é discutível, a revolucionária bossa nova. Discutível porque, inegavelmente, a “sete palmos” de terra jaz sepultada verdadeira miríade – uma valiosa mina de ouro – de canções que, até a primeira metade do século 20, no Brasil, foram monumentais sucessos de cunho extremamente popular.

Músicas que eram assobiadas nas ruas, cantadas nos bares e, prova maior de popularidade, eram executadas nas rádios. Cada uma da canções selecionadas para o disco por Zé do Bêlo (que adquiriu legalmente o direito de relê-las liberando-as diretamente com as editoras as quais os fonogramas pertenciam), mais do que ritmicamente entreter, conta uma história de vida. E que histórias! E, fora as histórias, falam sobre bem-humoradas narrativas, descrevem hábitos e vocabulário da época. Ou seja, além disso são verdadeiras “aulas” sobre idos tempos.

Toda essa aventura teve início, há dois anos, quando Zé resolveu incluir em seu repertório “Pelo Telefone”, de 1916, cuja autoria está registrada no nomes de Donga e Mauro de Almeida, tido como o primeiro samba gravado Brasil. “Pesquisei a respeito da música e, nos shows, contava um pouco de sua história. Percebi, então, que o público aprovou a escolha, aplaudindo-me efusivamente”.

De fato, impossível não querer ovacionar, e arrebatar-se, pela surpreendente beleza e criatividade – evidenciada tanto nas suas letras como nas suas melodias – de vultos da estatura de, entre outros, Manezinho Araújo, Jararaca, Bando de Tangaras, Canuto e João da Baiana. “Fiquei assombrado com a perfeição contidas nas composições selecionadas para o álbum”, diz Zé do Bêlo.

Da mesma safra, Zé do Bêlo tem em seu poder uma lista contendo mais de 50 canções que, futuramente, pretende lançar. Tal como o álbum A Moda Chegando eu Vou Ver Como é, o próximo também será um projeto independente. Embora independente, o disco caiu nas graças do prestigiado musicólogo Ricardo Cravo Albin, que preside um instituto que leva seu nome. Albin ouviu o repertório do disco em primeira mão – e ficou completamente embevecido. Para o encarte do álbum, em texto assinado por ele, Albin dá seu testemunho pessoal:

“Tenho em mãos o terceiro álbum individual do cantor e violonista Zé do Bêlo. Este disco é a flecha certeira que atinge em cheio um fragmento memorial bastante original. O que prova que Zé do Bêlo é um competente arremessador de certeiros dardos. Ele mergulhou no baú menos conhecido, nada óbvio, colhendo um buquê de músicas que medeiam os quarenta primeiros anos do século 20. Algumas delas, eu diria quase a totalidade, de conhecimento nulo hoje em dia, até mesmo para pesquisadores atentos.”

Zé do Bêlo, no entanto, é mais humilde consigo mesmo. “Não sei se tenho o talento necessário para liderar alguma coisa. Se apenas eu seguir fazendo minha parte, já estará de bom tamanho. Mas uma coisa é é certa: estou me divertindo”.

Que, oxalá, frutifique!

Cristiano Bastos